schemer.

"O último exemplar de Harry Potter e o Enigma do Príncipe, cheirando a mofo. Biblioteca municipal. Eu estava no fundo da sala concentrada nos Comensais da Morte quando um garoto, com os cabelos cor-do-entardecer, olhava com certa empolgação para a minha direção. Olhei pra trás buscando um motivo, sem perceber que estava em minhas mãos. Sem cerimônias, ele se sentou à minha frente e fitou-me. De início retribui, intrigada. Mas ele não me decepcionou:

- Devia ler naquela mesa ali, -apontou para trás, com aquele gesto de quem pede carona- passa uma corrente de ar na cadeira da esquerda, e geralmente o sol não alcança aquele canto.

Ele me olhava despreocupado, como se tivesse me perguntado as horas. Havia um sorriso discreto em seus lábios, ladeados por dois furinhos na bochecha. Eu estava atônita, mas precisava ser educada.

- Er, obrigada. Talvez eu me sente ali da próxima vez. - tentei sorrir, mas acho que ele só percebeu a intenção.

- Acho que você quer ler. Bom, eu já vou indo, boa leitura.

- Não, pode ficar. Gosto de companhia às vezes, sabe, então fique. - saiu um quase sorriso.

Ficamos ali conversando horas a fio, alternando o tom de voz a cada repreensão da bibliotecária. Descobrimos segredos nos livros, ele me fez rir, e acho que ele simpatizou-se comigo. Depois dessa vez, passamos a nos encontrar diariamente, no mesmo horário e no mesmo lugar. Havíamos desvendado os mistérios do livro e os meus. Desvendamos mistérios inexistentes. Compartilhávamos segredos, histórias e uma norma: nossas identidades não seriam divididas. Eu não sabia seu nome, nem ele o meu.

Então um dia, quando nos despedimos, ele me beijou. Acho que aí um mistério se desvendava, enquanto outro se formava. No dia seguinte ele não apareceu, nem no outro. Eu não parei de frequentar a biblioteca, com uma esperança incondicional de revê-lo e saber o que havia acontecido. Mas ele não apareceu mais, como se nunca tivesse existido."

E num sobressalto eu desperto. Eu tenho esse sonho todas as noites. Sem exceções.