águas agitadas.

A psicóloga me disse que, quando a ansiedade atacasse, que eu a distraísse fazendo atividades as quais ela não conseguisse alcançar. Bordado, costura, escrita, desenho, pintura. Porque nisso tudo, aparentemente, a mente cala e quem fala ou faz é a alma. 
Quem me dera a ansiedade não alcançasse a alma. 

Pois não sendo o bastante a ansiedade pelas coisas comuns da vida, minha mente perversa busca um alvo externo que seja menos nocivo e o usa como bode expiatório. Por que sofrer com a crise financeira, se você pode sofrer por amor? 

Mas confesso, não é amor. 

Tento compreender o que me fez e me faz apegar a rapazes que pouco entenderiam a complexidade do meu ser, mas os quais eu admiro vagamente e consigo enxergar que sou vagamente admirada por um conhecedor nato do tipo de arte que eu me constituo. Pois do que valeria um profissional com o paladar treinado para detectar e reconhecer as menores nuances gastronômicas em um museu, colocado para avaliar e julgar uma escultura de Michelangelo? Seria uma piada à Pietà. Não me servem elogios de quem não entende a beleza do que contempla, na sua forma técnica e também grosseira. 

Talvez por isso tenha me encantado as quatro letras iniciadas com i de intensidade. 
Pois, pouco sabendo do meu interior, sabiam contemplar de igual para igual o meu exterior. E os lábios sedentos, alternando entre uma força bruta e entre uma delicadeza tamanha, mostravam o desejo real de quem era digna de ser desejada de tal maneira. Os lábios dançavam em um movimento rítmico com o próprio chão que beijava. E eu me inundava, e afogava no meu desejo os marinheiros que tanto ansiavam por navegar em águas sob meu domínio. O poder do desejo é estupidamente delicioso. Uma dominância que não se manifesta senão ali, entre lençóis e vapores e suor e pele humana. E contato. E movimento, dinâmico, com a única intenção de elevar o espírito do outro elevando o seu próprio. Pois quando se conquista a elevação do espírito alheio, o seu, por consequência, há de subir. O do outro, pelo prazer da dança molhada, e o seu, pela satisfação de ter o poder de proporcionar ou, no mínimo, fazer parte do nascimento daquela sensação, que brota do outro e nasce no mundo. 

Meu anseio, hoje, é encontrar uma narrativa que pudesse me envolver o suficiente para suprir a falta dos lábios que dançam sob meu chão, suprir a falta de navegantes no meu mar tão agitado. A agitação das águas assustam aqueles pouco experientes ou receosos, e se torna um desafio só encarado por grandes espíritos tomados de coragem. Porém, para completa infelicidade neste aspecto - apenas neste aspecto, pois a vida há de ser mais, e muito mais do que apenas isto - poucos marinheiros tem ousado arriscar seu tempo investindo em aventuras tão desafiadoras. 

As águas agitadas podem te causar um frenesi tremendo dado que nosso corpo humano é ligado a um mecanismo de pêndulo, quando lembramos que estamos aqui neste mundo por um pequeno fio que é chamado de vida. Então tudo vai, se eleva, volta, causa um frio na barriga, e depois sobe novamente, desce, e segue assim um movimento fisicamente bem conhecido e metafisicamente bem explorado. 

Mas tais águas agitadas também podem te prender em redemoinhos que surgem, de repente e sem causa aparente, e te sugar pra dentro das profundezas do desconhecido. 

É uma aventura pra poucos. Por isso pouco conhecemos do mar. Pouco conheço de mim. Pouco conhece-se de mim. 

Mas muito sou mar. 

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