feitiço da ciência.
Comecei o ano oficialmente como médica formada, prontíssima e animadíssima para trabalhar logo, viver as experiências humanas na minha área e contribuir pra vida delas de forma positiva, na medida do possível. Com o futuro diante de mim, como sempre esteve, mas com uma expectativa que ainda não havia experimentado.
E aí, veio o coronavírus. A pandemia.
Inicialmente, eu comecei atendendo crianças e era gripe atrás de resfriado atrás de diarreia atrás de choro inconsolável que significava pais preocupados e temerosos de estarem prejudicando suas crianças. Foram boas experiências. Crianças são um buraco negro de possibilidades difíceis, mas a doçura e a inocência de suas complexidades amenizavam toda aversão e medo que poderia sentir. Aliviar as jovens mães que tinham um bebê e nada mais, orientando os pais que buscavam os filhos pra passar o fim de semana e tentavam compensar entupindo-os de pseudoalimentos, ensinando a técnica correta de amamentação e cuidados com recém-nascido mesmo sem nunca ter parido um. E tudo ia bem.
Mas a ficha caiu: eu teria que perder o medo de adultos, pelo amor de Deus, o que eu mais fiz durante o curso foi atender adultos. Mesmo que me chamassem de menina e não me levassem a sério, que perguntassem minha idade e me parabenizassem por ter feito medicina, mas pensando na segunda opinião que procurariam porque tinham sido atendidos por uma médica novinha demais. Era inevitável.
Aí esse dia chegou. Toda a teoria dos livros não adiantou NADA. A prática tava ali na minha frente, enigmática, e eu tremia de medo. Aí eu pedi ajuda pros colegas do plantão e deu tudo certo. Acabou o medo depois de algumas dezenas de horas num pronto-socorro de clínica médica.
Aí eu arrumei um emprego fixo num desses pronto-socorros, com colegas de plantão que eu já conhecia e sabia muito bem que era excelentes, com os quais eu não hesitava em dizer que não sabia e pedir ajuda. E foi tudo dando certo.
E aí a medicina ficou cada dia mais bonita, mais complicada, mais instigante e cá estou eu ainda nesse estado de paixão absurda por um emprego que eu nem queria tanto no começo. A cada pessoa diante de mim, há um universo desconhecido a desvendar e encontrar onde tem algo disfuncional, pra tentar ajudar no conserto. Ou amenizando os efeitos daquela disfunção. Ou só aprendendo como aquele universo funciona pra me encantar mais com a vida. Vê? São inúmeras opções diante de uma pessoa só.
Imagine o monte de gente que eu irei conhecer, o monte de coisa que descobrirei e aprenderei nessa infinitude que as pessoas são.
Imagine o quanto eu vou aprender e me questionar nessa infinitude que é a ciência?
<3
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