ressonância com sedação.
Quando Marcos acordou pela manhã, ele sabia que tinha alguma coisa errada.
As coisas vinham errando com ele há algum tempo. Depois de vitórias - um emprego estável, um casamento com a mulher da sua vida, uma prole já composta por três rebentos saudáveis -, a vida resolveu lhe oferecer dificuldades. A primeira foi a solidão, depois da perda da sua esposa para o vírus maldito que tirava-lhe o ar. Depois, vieram as dores internas e externas, que vinham e iam sem controle, que às vezes de súbito lhe sufocavam, apertando seu peito, agitando seu corpo em tremores descontrolados e fazendo-o sucumbir em sua própria angústia. Crises de pânico, disseram. Como se não fosse suficiente, a solidão foi escurecendo sua vida. A risada das crianças parecia distante, crua, em tons cinzentos. A família que morava longe fazia mais falta. O vazio tomou conta do que ainda sobrava são. A depressão, diziam-lhe. Recusou tratamentos com os medicamentos comuns que os médicos prescreviam sem ao menos ouvi-lo. Não falava, mas gostaria muito de ser ouvido quando tivesse o ímpeto de dizer.
E então, depois de uma noite insone com um breve alívio de sono ao amanhecer, percebeu-se estranho. O corpo já não respondia como antes, a fala lhe parecia estranha aos ouvidos, os quais também pareciam assimétricos. Sentia que metade do seu corpo havia perdido algumas coisas, como se tivesse sido partido nas duas metades que um dia haviam sido unidas no ventre da sua mãe. Pensou que fosse um derrame. Mais uma dificuldade da vida, lamentou. Chorou como se fosse morrer - um pouco de alívio, um pouco de tristeza. Difícil tem sido viver, confessou à sogra que o acompanhava.
Marcos apareceu diante de mim em dois encontros. O primeiro despertou em mim a desconfiança de que, se assim sentira, algo estava mesmo errado. Pedi a ajuda de um especialista, que manteve a dúvida que levantei. Nessas horas, como eu mesma já vivi, torcemos - de cá, sendo médica, e de lá, sendo paciente - que seja uma manifestação psicossomática. Não era só isso, o exame neurológico mostrou de forma sutil.
No segundo encontro, confessou-me que havia doze dias que estava sendo atormentado por uma tontura constante, refratária a todos os remédios prescritos com esse fim. Me contou que sentia hesitação da sua fala, como se de súbito esquecesse o que fosse dizer, e quando as palavras já estavam na ponta da língua! Desaprendera a movimentar o braço daquele lado, de forma que seu movimento era grosseiro, a seu ver, e com menos controle. A coordenação lhe faltava. A visão, perfeita. A força, também. Sentia formigamentos no rosto! Nada fazia melhorar.
Durante a investigação, as outras dificuldades impunham mais dificuldades. Os exames simples normais. O exame padrão-ouro lhe parecia uma tortura, e por várias e várias vezes não conseguiu fazer. Sem diagnóstico continuou com as dificuldades, e as abraçou como se fosse sua sina.
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